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Parte 2: O jogo de mesa como uma possibilidade na escola

Para implementar qualquer projeto escolar, há várias etapas muito importantes que precisam estar em foco no planejamento e na execução. No entanto, quando se pensa em trabalhar em jogos de mesa em um projeto, uma delas é primordial, ao meu ver, para que o projeto tenha sucesso: a inserção do jogo como uma possibilidade dentro da escola. Por “possibilidade”, entendo como um prisma que pode variar de acordo com as intenções do projeto: possibilidade como opção de entretenimento, objeto cultural, representação de mundo, ferramenta paradidática, etc. E dentro desse prisma, no mínimo uma dessas possibilidades precisa nortear o planejamento e a execução do projeto.


Em 2017, quando comecei a aplicar o projeto de criação de jogos de mesa na escola onde eu atuava, priorizei duas dessas possibilidades do jogo na escola: como opção de entretenimento e como ferramenta paradidática multidisciplinar.


A primeira possibilidade, como uma alternativa de entretenimento tanto em ambiente escolar como também pessoal, foi aquela que trouxe resultados rápidos e impressionantes. Como nesta série de textos busco ser mais prático e menos teórico, tentarei focar mais no relato das experiência do que na ancoragem teórica do projeto, mas penso que vale muito a pena dizer aqui que os princípios fundamentais do projeto estavam bastante apoiados nas visão de autores como Burgun, Caillois, Huizinga e Whitton, no que diz respeito à ideia do que é o jogo e o jogar, e como isso se insere culturalmente na vida humana. Durante minha pesquisa de mestrado, esses autores me ajudaram a formar uma visão a respeito de como trabalhar jogos em ambiente escolar, portanto listo aqui as referências que me ajudaram, algumas delas amplamente conhecidas nos estudos sobre jogos:


BURGUN, K. Game design theory: a new philosophy for understanding games. Boca Ratón: CRC Press, 2013.

CAILLOIS, R. Os Jogos e os Homens. Lisboa: Cotovia, 1990.

____________. The Definition of Play and The Classification of Games. In: SALEN, K.; ZIMMERMAN, E. The Game design reader: a rules of play anthology. Cambridge: MIT Press, 2006, p. 122-155

HUIZINGA, J. Homo Ludens. São Paulo: Perspectiva, 2000.

WHITTON, N. Learning with digital games: a practical guide to engaging students in higher education. New York: Routledge, 2010.







O princípio básico que construí a partir dessas e outras leituras foi o de que jogos, em primeiro lugar, devem ser jogados, e o que o ato de jogar serve essencialmente à própria experiência em si do jogo. Isso me remete à fala de um grande professor que tive, de Poética e Teoria Literária, sobre o trabalho escolar com a poesia: “poemas não são exames de fezes para serem analisados”. A fala dele era simbólica, impactante e imagética o suficiente para fazer todos refletirem em como a poesia, como outras formas de arte e cultura, muitas vezes são instrumentalizadas e retiradas de sua essência quando inseridas no processo de ensino-aprendizagem. O jogo, como objeto cultural de representação, também é suscetível a isso, e eu queria a todo custo fugir de uma instrumentalização vazia do jogo de mesa na escola. Portanto, com esse arcabouço teórico embaixo do braço, convenci a equipe pedagógica de que as atividades iniciais precisariam ser 100% lúdicas, de entretenimento, para que o corpo estudantil tivesse o primeiro grande aprendizado: o que são os jogos modernos de mesa e como eles podem ser divertidos.


Para isso, organizei dentro do meu cronograma de aulas alguns dias de jogos, em que ofereci, como recompensa aos pequenos avanços do dia-a-dia que toda turma sempre tem, a oportunidade jogarem diversos jogos modernos de mesa que eu levava para a escola. Em média, no período de planejamento e preparo do projeto de criação de jogos, eu apliquei no mínimo 15% da carga horária mensal de cada turma apenas jogando com eles. Em poucas semanas, a mudança de cultura começou a surgir.



Primeiramente, a mudança veio com o corpo estudantil, que rapidamente passou a demandar frequentemente o retorno dos jogos como opção de entretenimento. Como de prache, os alunos sabiam de minha metodologia de sempre recompensá-los, na prática ou simbolicamente, pelos pequenos avanços coletivos das turmas, então não demorou a surgirem propostas dos alunos de atividades recompensadas com dias de jogos. O corpo estudantil tinha sido conquistado.


Porém, a equipe pedagógica tinha sido convencida, mas ainda não conquistada. A estratégia de conquistá-la estava no plano do médio prazo, e a conquista do corpo estudantil seria a grande alavanca desse processo. Primeiro, as pessoas que passavam pela frente da porta das salas ficavam curiosas. “O que eles estão fazendo?”, perguntavam. “Estão jogando”, eu respondia. A suposta subversão , de turmas de adolescentes e pré-adolescentes durante vários tempos de aula “apenas jogando”, trazia cedo ou tarde a pergunta desejada: “Mas por que estão jogando?”, e a resposta era o elemento crucial para trabalhar o outro foco do projeto, do jogo de mesa como nova possibilidade de ferramenta paradidática multidisciplinar. E é sobre isso que falarei, em breve, no próximo texto desta série!


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